terça-feira, 17 de maio de 2011

Recurso em Sentido Estrito


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE VITÓRIA – ES.















Processo nº

Fulano, já qualificado nos autos da ação penal em epígrafe, não se conformando com a respeitável decisão que o pronunciou pela prática de homicídio simples, mediante dolo eventual, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por meio de seu advogado, interpor o presente


RECURSO EM SENTIDO ESTRITO


com fulcro no artigo 581, inciso IV, do Código de Processo Penal, para que seja reformada a respeitável decisão de pronúncia, conforme razões anexas.
           
Caso Vossa Excelência entenda por manter a decisão de pronúncia, requer seja o presente recurso devidamente processado e remetido à instância superior.


Nestes Termos, pede deferimento.

Vitória – ES, __ de abril de 2011.


Advogado – OAB.







RAZÕES DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO


Egrégio Tribunal,

Colenda Câmara,

Trata-se de processo criminal no qual o recorrente foi denunciado pelos seguintes fatos:

O recorrente, após uma partida de futebol, discutiu com a vítima, de nome Beltrano. Diante da discussão, o recorrente, que estava com uma bomba de encher bola em mãos, atingiu de lado e com pouca força a cabeça de Beltrano, que possuía estrutura física inferior à do recorrente e estava com as mãos desprovidas de qualquer objeto. Beltrano veio a desequilibrar-se, e ao cair ao solo bateu com a cabeça na guia, vindo a falecer.

O recorrente foi processado em liberdade perante a Vara do Júri de Vitória pela prática de homicídio simples, previsto no caput do artigo 121 do Código Penal, e pronunciado pelo magistrado para julgamento pelo Tribunal do Júri, sob o entendimento de que a conduta do recorrente foi praticada com dolo eventual, já que o mesmo teria assumido o risco de produzir o resultado morte, ao golpear  Beltrano com a bomba de material plástico.

Entretanto, a respeitável decisão de pronúncia deve ser reformada, para que seja a infração penal imputada ao recorrente desclassificada da competência do Tribunal do Júri, para a competência do juízo singular, com base nos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos:

1 – Da ausência de nexo de causalidade

Conforme demonstraremos, a conduta do agente, de atingir com pequena força e com um objeto plástico a cabeça da vítima, não foi a causa de sua morte, devendo ser afastada a hipótese de homicídio.

O que causou a morte da vítima foi sua queda e batida da cabeça no meio fio, que deve ser considerada causa superveniente relativamente independente de sua morte. Podemos conceituar esse tipo de causa, de acordo com Rogério Greco, como “aquela ocorrida posteriormente à conduta do agente, e que com ela tenha ligação”.[1]

O parágrafo 1º do artigo 13 do Código Penal, dispõe:

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Interpretando o dispositivo acima, Rogério Greco aduz que isso significa que somente aqueles resultados que se encontrarem como um desdobramento natural da ação é que poderão ser imputados ao agente.

No caso em análise, a morte de Beltrano não poderia ser considerada um desdobramento natural da conduta do recorrente, que apenas atingiu de leve sua cabeça, e com um objeto plástico, totalmente inadequado para causar a morte de uma pessoa.

Ora, de sua conduta não era esperável que viesse a ocorrer a morte da vítima, sendo perceptível que sua intenção era completamente diversa.

Ainda nos valendo dos ensinamentos de Rogério Greco, devemos entender que, para que se evitem situações discrepantes, que nos levariam a conclusões absurdas, o resultado tido como conseqüência da linha de desdobramento físico da ação do agente somente deve ser aquele produto de uma lesão que tenha significância, que seja de relevo, o que não se configura no presente caso, já que a conduta do recorrente foi de pequena relevância.

Vejamos o que conclui Rogério Greco acerca do tema:

[...] o resultado somente poderá ser imputado ao agente se estiver na mesma linha de desdobramento natural da ação; caso contrário, quando a causa superveniente relativamente independente, por si só, vier a produzir o resultado, pelo fato de não se encontrar na mesma linha de desdobramento físico, o agente só responderá pelo seu dolo. Isso porque há um rompimento na cadeia causal, não podendo o agente responder pelo resultado que não foi uma conseqüência natural da sua conduta inicial.  (grifos nossos)[2]

No presente caso, resta claro que a conduta do agente não foi dirigida a provocar a morte da vítima, e nem seria idônea, por si só, para tanto. Uma leve batida na cabeça de uma pessoa não tem como desdobramento natural que ela vá cair e morrer em consequência da queda.

A causa da morte, que foi o choque com a cabeça no meio fio, é claramente uma causa superveniente relativamente independente, que de fato provocou a morte de Beltrano.

Deve o recorrente responder apenas por seu dolo, já que, rompida a cadeia causal, não poderia responder por resultado que não foi conseqüência natural da sua conduta. Verifica-se que seu dolo foi apenas o de praticar vias de fato contra Procópio, nos termos do artigo 21 da Lei das Contravenções Penais.

2 – Da ausência de dolo

Além do exposto acima, e conforme comprovado nos autos, a conduta do recorrente consistiu em ter o mesmo atingido de lado e com pouca força a cabeça da vítima com uma bomba de encher bolas feita de material plástico. Sua conduta não permite que se afirme que tenha tido ele a intenção de causar a morte da vítima, e sequer de que tenha assumido o risco da ocorrência de tal resultado.

"SE AS PROVAS DOS AUTOS NÃO AUTORIZAM O CONVENCIMENTO CABAL DE QUE O RÉU QUERIA O RESULTADO LETAL EM RELAÇÃO À VÍTIMA OU ASSUMIU O RISCO DE PRODUZI-LO, DEMONSTRANDO, AO REVÉS, QUE PRETENDIA APENAS AGREDI-LA, É DE RIGOR A DESCLASSIFICAÇÃO DA TENTATIVA DE HOMICÍDIO PARA LESÕES CORPORAIS (RT nº 385/95).

Estando o recorrente despido do ânimo de matar, impossível veicula-se sua pronúncia pelo delito de homicídio doloso, devendo ser revista a decisão recorrida.

ANTE AO EXPOSTO, REQUER:

Seja revista a decisão de pronúncia e operada a desclassificação do delito de homicídio simples doloso para a contravenção penal de vias de fato, prevista no artigo 21 do Decreto-Lei 3.688 de 03 de outubro de 1941.

Nestes termos, pede deferimento.

Vitória – ES, 02 de maio de 2011.

Advogado – OAB


[1] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. vol. I. pág. 227.
[2] GRECO, 2007, p, 229.

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